Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo EméritoEstamos vivendo o tempo precioso da Quaresma. No próximo domingo seremos convidados a refletir e a renovar a aliança com o Senhor, nosso Deus.
Aliança é um tema essencial na relação do povo da Bíblia com seu Deus. São mais de 300 vezes que o termo Aliança é citado nos escritos do Antigo Testamento. Deus quer levar os seres humanos a uma vida de comunhão com ele. Por isso, através da Aliança, Deus se compromete a ser o nosso Deus e nos dá a chance de ser o seu povo. Não se pode esquecer que esta mútua pertença depende da pura bondade do Senhor que assim estabeleceu. Na verdade é uma aliança muito desproporcional. Deus nos dá tudo e nós, apenas nossa frágil adesão aos seus desígnios.
A primeira leitura do próximo domingo, tirada do livro de Gênesis, descreve o rito da aliança realizada entre Deus e Abrão. A situação existencial de Abrão era de precariedade e de insegurança. Deus o tinha tirado da Mesopotâmia, da terra de seus pais e chamado para a terra de Canaã. Abrão, porém, diante das dificuldades encontradas estava em dúvida se realmente aquela terra haveria de ser sua. Deus então se compromete com Abrão, e promete-lhe uma descendência mais numerosa do que as estrelas do céu e a posse da terra que estava pisando. Abrão, por sua vez, acolhe a promessa e acredita. A Aliança é então selada por um rito em que animais são mortos, cortados ao meio, e as partes colocadas umas em frente as outras. Segundo o rito, quem subscrevia a aliança devia passar em meio aos animais divididos, significando que se não cumprisse o que estava prometendo deveria ter a mesma sorte dos animais divididos (cf. Jr 34,18). A leitura termina afirmando que “naquele dia o Senhor fez aliança com Abrão dizendo: ‘Aos teus descendentes darei esta terra, desde o rio do Egito até o grande rio, Eufrates”. Realizando este rito Deus dá total garantia a Abrão. Sua promessa não será quebrada. Da parte de Abrão, nada lhe foi exigido. Abrão não passou no meio dos animais mortos. Só Deus passou. A promessa de Deus a Abrão é totalmente gratuita e incondicional. Abrão de agora em diante não pode mais ter dúvidas, compete-lhe caminhar sereno e tranqüilo, pois Deus é seu aliado e não vai falhar.
No capítulo 17 do livro do Gênesis esta mesma aliança é descrita de outro jeito. Nesta descrição, a promessa é a mesma, a disparidade continua, mas o rito é diferente. Abrão e sua descendência são as vítimas, derramando seu sangue no rito da circuncisão. As pessoas passam a carregar no próprio corpo o sinal da aliança. Deus nada exige em troca. A própria circuncisão não é uma exigência, mas apenas um sinal visível. “Fareis circuncidar a carne de vosso prepúcio, e este será o sinal da aliança entre mim e vós” (Gn 17,11).
A aliança de Deus com a Abrão foi substituída pela nova aliança selada por Cristo através de sua paixão e morte na cruz. Na última ceia Jesus afirma com todas as letras: “Este é o meu sangue da nova Aliança, que é derramado por uma multidão (Mc 14,24). Cristo, com sua morte substitui os sacrifícios de animais e realiza uma união definitiva entre Deus e os seres humanos. A antiga aliança restringia as promessas a Israel. Cristo, porém, com sua morte na cruz estendeu aos gentios o direito de cidadania no povo de Deus, e ao abrogar a lei, deu, tanto aos gentios como aos judeus, a paz e o acesso ao Pai (Ef2,12-18; cf. Rm 11,25) Como a aliança com Abrão se fez através do rito de passagem no meio dos animais sacrificados, a nova e definitiva aliança se faz através do sangue do Filho de Deus.
A Igreja, herdeira de Israel e da promessa de Abrão, renova sua aliança com Deus através do rito da eucaristia, celebrada por ordem de Cristo e em memória de sua paixão, morte e ressurreição.
Não nos esqueçamos, Deus é sempre fiel à aliança que selou conosco através de seu Filho, Jesus Cristo. Nós é que muitas vezes somos infiéis. Mas fidelidade de Deus sempre nos possibilita uma nova chance e podemos de novo refazer a aliança. Deus seja bendito por tão grande graça!
