Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 05/10/2016 às 14:57:53

O homem e a natureza

Através da história a teologia da criação pode ser dividida em três momentos. No primeiro momento os teólogos procuram fundir as tradições bíblicas com a assim chamada cosmovisão ptolomaica. Para este modo de pensar, as leis da natureza estavam previstas e prescritas na Bíblia. O mundo foi de fato criado em seis dias, Adão de um boneco de barro e Eva da costela de Adão. O sol girava em redor da terra e Deus, a um pedido de Josué, fê-lo parar (Js 10,12-15).

         Neste contexto, as ciências naturais não tinham muito o que dizer. Aliás, eram impedidas de se pronunciar. Consequências desta visão teológica foram certos erros de que, até hoje, a Igreja precisa se retratar e pedir perdão.

         No segundo momento da reflexão teológica sobre a criação, as ciências naturais declararam sua maturidade e se tornaram independentes, não levando mais em conta as doutrinas e as prescrições da teologia. Baseados na própria Bíblia, que manda o ser humano ser fecundo, multiplicar-se e sujeitar a terra (Gn 1,28), cientistas e teólogos separaram o mundo de Deus e o colocaram nas mãos do homem feito a imagem e semelhança de Deus. A partir desta concepção, o destino da criação iria depender do que o homem imaginasse. O mundo deixou de ser visto a partir de Deus para ser considerado a partir do homem. A visão teocêntrica deu lugar a visão antropocêntrica da criação. Autorizado por esta concepção teológica, o ser humano procurou cada vez mais ser “o senhor e o possuidor da natureza” (Descartes,Discurso do Método).

O domínio do homem sobre a natureza trouxe todo o progresso técnico-científico de que hoje a humanidade desfruta, mas trouxe também problemas muito graves, conhecidos como crise ecológica. Num desejo incontrolável de poder e domínio, o ser humano destruiu e continua destruindo a natureza. Buscando conforto sempre maior para si mesma, a humanidade vive hoje o perigo paradoxal de se autodestruir.

Diante da crise ecológica, a teologia da criação chega ao seu terceiro estágio de reflexão. Juntando, de forma criativa, o desenvolvimento das ciências e os elementos da tradição bíblico-cristã, a teologia tenta recuperar a dimensão sacral da criação. No segundo momento de sua reflexão, com a virada antropocêntrica, a teologia tinha permitido que o mundo se profanizasse e se secularizasse. Qualquer reflexão que fizesse referência a Deus e ao sagrado era então considerada acientífica e sem valor.

Entre os vários promotores deste novo momento da teologia da criação destaca-se o Papa Francisco com a publicação de sua carta encíclica Laudato si, sobre o cuidado da casa comum. Neste documento, o Papa nos convida a ouvir os clamores da irmã terra que grita de dor provocada pelo uso e abuso irresponsáveis dos bens que Deus nela colocou. Exorta-nos em seguida a uma “conversão ecológica”. Esquecidos de que nós mesmos somos terra (Gn 2,7), crescemos pensando que éramos proprietários e dominadores absolutos da terra. Sentíamo-nos, por isso, no direito de saqueá-la. Este forma de pensar e de agir não pode continuar. Temos “necessidade urgente de uma mudança radical”, porque “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento econômico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem” (LS 4).

 

Diante do chamado forte do Papa a nossa Igreja católica tem promovido muitas atividades, motivando os fiéis para que passem a se responsabilizar pelo cuidado com a casa comum. Aqui no Brasil, a Campanha da Fraternidade deste ano teve como lema: “Casa comum, nossa responsabilidade”. Direcionou sua reflexão e ação para o problema do saneamento básico e a qualidade de vida do nosso povo. No próximo ano, de novo, a Campanha da Fraternidade vai tocar na mesma tecla. Terá como tema: “Biomas brasileiros e defesa da vida”. O lema será: Cultivar e guardar a Criação” (Gn 2,15). Neste mesmo clima, para o mês missionário, que tem seu ponto alto no “Dia Mundial das Missões”, a ser celebrado no próximo dia 23 de outubro, foi escolhido o tema – “Cuidar da Casa comum é nossa missão”. O lema foi extraído do livro do Gênesis e mostra a admiração do Criador pela criação. “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). 

Alguém poderá estar se perguntando: “O que tem a ver a missão da Igreja com essa preocupação com a natureza”? A resposta do Papa é que tem tudo a ver. Nós não podemos dizer que somos verdadeiros filhos e filhas de Deus, se não nos preocuparmos com o mundo em que nossas crianças irão viver. Transmitir um mundo habitável aos que virão depois de nós é missão primeira da Igreja enquanto instituição e de cada cristão e cristã em particular.


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