Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 17/08/2016 às 14:58:55

Romaria da terra em Tomazina

No próximo domingo, 21 de agosto, a cidade de Tomazina, na diocese de Jacarezinho, será sede da 30ª edição da Romaria da Terra do Estado do Paraná. Inspirando-se na Campanha da Fraternidade deste ano, terá como tema, “Cuidar da terra é nossa responsabilidade”. O lema, iluminado pela Encíclica “Laudato Sì” do Papa Francisco, está assim formulado: “Cuidar da terra, renascer das águas e semear a vida”.

         A Romaria da Terra é uma promoção da Comissão da Pastoral da Terra. Aqui no Paraná, ela acontece há trinta anos. Respirando o “antropocentrismo cósmico”, que então dominava a reflexão teológica e a prática pastoral, as primeiras Romarias da Terra deram mais atenção ao ser humano do que à terra. Proclamava-se o direito de todo homem e toda mulher de possuir e cultivar a terra. Denunciava-se a injustiça do latifúndio, das grandes extensões de terra improdutiva na mão de poucos, enquanto um grande número de sem-terra se via obrigado a emigrar da área rural para as favelas, para o subemprego e para a violência. A maior parte das Romarias aconteceu em assentamentos para celebrar a conquista da terra ou em lugares de conflito para denunciar a expulsão de índios, caboclos e pequenos agricultores de suas glebas.

         As últimas Romarias, num contexto de solidariedade e de simpatia por toda forma de vida, têm focado a atenção dos romeiros para a terra em si mesma e para os riscos que ela corre. Neste sentido, à questão da terra foram acrescidos os temas da água e da natureza como um todo.

         O Papa Francisco em sua Encíclica “Laudato Sì” lembra que “a terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo. Em muitos lugares do planeta, os idosos recordam com saudade paisagens de outrora, que agora vêem submersas de lixo”. Lembra também o Papa que com freqüência, “só se adotam medidas quando já se produziram efeitos irreversíveis”. 

Se não houver uma profunda mudança de paradigma na vida pessoal, na convivência social, na produção de bens de consumo e principalmente no relacionamento com a terra, a humanidade poderá passar a conviver com freqüentes tragédias naturais e, até mesmo correr o risco de desaparecer.

         No final de 1996, há quase vinte anos, um grupo de 2.500 cientistas lançou um relatório muito sério. Disseram aqueles cientistas que, se as emissões de gases que intensificam o efeito estufa continuarem no ritmo que estão, o nosso século, ou seja, o século XXI, haverá de ver a temperatura da terra se elevar de 1,4ºC para 5,8ºC e o nível do mar subir entre 18cm e 59cm. Disseram também que, mesmo se mudarmos todos os nossos hábitos, não vamos conseguir impedir que, até 2050, a temperatura da terra suba menos que 1,3ºC. Com os 0,8ºC que já subiu, vamos chegar a 2ºC de elevação, teto máximo possível para se viver com certa normalidade. Se passar deste patamar, teremos conseqüências de extrema gravidade. Para que isto não aconteça, será preciso reduzir 66% as atuais emissões de gases, o que infelizmente não vem acontecendo. Aqui no Brasil, o Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) afirma que, neste século, se forem mantidas as atuais tendências, a temperatura poderá subir entre 6ºC e 8ºC na Amazônia e entre 3ºC e 4ºC no Centro Oeste, com sérias conseqüências para as outras regiões do país. Possivelmente perderemos de 20% a 25% dos recursos hídricos do semi-árido brasileiro, onde eles já são escassos. A esse respeito, o Papa, na Encíclica já citada, alerta para a tendência de se privatizar o uso da água, fazendo dela uma mercadoria sujeita às leis do mercado, provocando o aumento do custo dos alimentos, afetando milhares de milhões de pessoas, com o risco, inclusive, de possíveis conflitos armados.

         Para a fé cristã, o mundo foi criado do nada, mas seu destino não é o nada. Deus quer que a natureza também participe da gloriosa liberdade dos filhos de Deus (Rm 8,21) e convida o ser o humano para ser seu aliado neste projeto. Compete a nós, enquanto pessoas, e a nós, enquanto humanidade, aceitar o convite. A final de contas, “as criaturas deste mundo não podem ser consideradas um bem sem dono. (...). Isto gera a convicção de que nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (LS 89).

Possa a 30ª Romaria da Terra do Estado do Paraná ser mais uma oportunidade de aguçarmos nossa consciência de que “a indiferença ou a crueldade com as criaturas deste mundo sempre acabam de alguma forma por repercutir-se no tratamento que reservamos aos seres humanos” (LS 92).


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