No tempo de Jesus, os fariseus, em nossos dias, os legalistas costumam reduzir a fé católica a uma bagagem, ou a um elenco de normas e proibições. Deus, nesta compreensão de fé, aparece como um juiz intransigente que submete seus filhos a um regime de medo, insegurança e tristeza. Cristo, no entanto, veio para revelar um rosto diferente de Deus. No Evangelho, o Reino é muitas vezes comparado com um banquete, onde só reina alegria. Por isso, a Igreja, mesmo quando propõe a Quaresma como um tempo de mais austeridade e mais penitência, não quer ser entendida como promotora de tristeza. Também a Quaresma é tempo de alegria, assim como a Páscoa não suprime a dor e o sofrimento da vida dos crist&ati lde;os que sabem muito bem distinguir alegria de euforia, bem como de hilaridade e de simples diversão.
A euforia, segundo alguns autores, se não for patologia, dela se aproxima. Consiste em uma alegria momentânea, passageira que não corresponde à realidade da vida da pessoa que diz experimentá-la.
A euforia é exterior, vem de fora, por isso, precisa da agitação e do barulho. A verdadeira alegria é aquela que permanece quando todo o barulho passa e toda agitação cessa. O Papa Francisco é bem claro neste sentido. “No mundo contemporâneo, infelizmente nos contentamos com uma cultura pouco alegre; uma cultura onde inventam tantas coisas para nos divertir, tantos momentos de “dolce vita”, mas que não satisfazem plenamente”. (em 28 de maio de 2018). “A alegria não é viver de risada em risada. Não, não é isso. A alegria não é ser engraçado. A alegria é paz que está nas raízes, a paz do coração, a paz que somente Deus pode nos dar. Esta é a alegria cristã. Não é fácil conservar esta alegria. (em 25 de maio de 2018).
A alegria vem de dentro, por isso, é possível viver a alegria em meio às dores e aos sofrimentos. Parece paradoxal, mais é possível ter lágrimas nos olhos e alegria no coração. Os apóstolos, depois de açoitados, saíram alegres “por terem sido considerados dignos de injúrias por causa do santo Nome” (At 5,41). Os tessalonicenses, mesmo em meio a muita tribulação, receberam com alegria o anúncio do Evangelho (1Ts 1,6). São Paulo alegrava-se nos sofrimentos que suportava por causa dos colossenses (Cl 1,24), e apesar de ser tido como triste, no entanto, vivia sempre alegre (2Cor 6,4-10). Sua alegria brotava do fato de Cristo ser anunciado. Se com segundas intenções, ou c om sinceridade, isto não importava (Fl 1,18). Mesmo que seu sangue fosse derramado por causa da fé que pregava, ele se alegraria e compartilharia sua alegria com todos os filipenses (Fl 2,17-18). E, num momento em que a comunidade de Filipos passava por várias hostilidades, São Paulo, com insistência, exortava: “No mais, meus irmãos, alegrai-vos no Senhor” (Fl 3,1), “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos!” (Fl 4,4).
O Papa Francisco com freqüência tem refletido sobre a alegria cristã. Três de seus mais importantes documentos iniciam-se com a palavra Alegria: “Alegria do Evangelho” sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, “Alegria do Amor” sobre o amor na família; e “Alegrai-vos e Exultai” sobre a chamada à santidade no mundo atual.
Numa de suas missas matinais na “Casa Santa Marta” comparou a alegria à respiração do cristão. “Um cristão que não for alegre no coração não é um bom cristão. A alegria não é algo que se compra ou que se faça com esforço, não; É fruto do Espírito Santo”.
Num outro dia, na mesma missa matinal assim se expressou:“O cristão é um homem e uma mulher da alegria, um homem e uma mulher com alegria no coração. Não existe cristão sem alegria! Mas padre, eu já vi tanta coisa! Não são cristãos! Dizem que são, mas não são! Falta-lhes alguma coisa. A carteira de identidade do cristão é a alegria do Evangelho, a alegria de ter sido escolhido por Jesus, salvo por ele, regenerado por Jesus. A alegria daquela esperança que Jesus espera de nós, a alegria que, nas cruzes e nos sofrimentos desta vida, se expressa de outra maneira que é a paz, na certeza de que Jesus nos acompanha”.
Sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” inicia-se com estas palavras: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Todos os que se deixam salvar por ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído (EG 1 e 3).
No hemisfério norte a Quaresma acontece num contexto de primavera que se aproxima ou já se iniciou. É, portanto, o período em que, junto com as demais flores, aparecem as rosas. Nos primeiros tempos, os cristãos, no Quarto Domingo da Quaresma, se presenteavam com rosas. As rosas com sua beleza e com seus espinhos representam muito bem a dinâmica da alegria que nasce da dor vivida com fé na vitória da ressurreição.