Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 25/04/2019 às 16:08:59

“Domingo da Misericórdia”

O segundo Domingo da Páscoa, desde o ano 2000, por determinação do Papa São João Paulo II, chama-se “Domingo da Misericórdia”. Num mundo de ódio, terror e morte, em que estamos imersos, somente a misericórdia é capaz de romper a espiral de violência e possibilitar o aparecimento de uma sociedade fraterna e reconciliada. No dizer do Papa São João Paulo II, “A misericórdia é um elemento indispensável para dar forma às relações mútuas entre os homens, num espírito do mais profundo respeito por aquilo que é humano e pela fraternidade recíproca. (...). O mundo dos homens só poderá se tornar mais humano se introduzirmos no quadro multiforme das relações interpessoais e sociais, juntamente com a justiça, aquele amor misericordioso que c onstitui a imagem messiânica do Evangelho”(DM 93.94). A misericórdia não é um mero fenômeno psico-afetivo, mas uma prática concreta do amor de Deus que libertou e arrancou seu povo do sofrimento no Egito, e sempre o acompanhou pelos caminhos da história. Misericórdia é o seguimento de Jesus de Nazaré que diante do pedido “tende misericórdia de mim” jamais deixou de curar e perdoar o povo que a ele acorria, restituindo-lhe a dignidade e o sentido de viver. A misericórdia sempre tende a ser eficaz. Por isso busca todas as mediações práxicas que possibilitem a concretização desta eficácia. Neste ponto a misericórdia se transforma em justiça e se empenha na construção de um mundo onde a verdade vença a mentira, a vida a morte e a fraternidade a opressão. A misericórdia é a reação mais adequada e necessária ante este mundo sofredor. Sem misericórdia não haverá compreensão de Deus, nem de Jesus, nem do ser humano. Por misericórdia e somente por misericórdia Deus se aproximou do seu povo, envergonhado e acabrunhado sob o peso dos pecados pessoais e estruturais, perdoando a sua culpa e afastando-o de todo o medo e terror (Is 54,4-14). “Movido por misericórdia” o pai do filho pródigo restituiu-lhe a dignidade de filho e de irmão (Lc 15,20). O exemplo perfeito de ser humano, segundo Jesus, é o samaritano que “movido de misericórdia” socorre o necessitado à margem do cam inho (Lc 10,30-37). A misericórdia é também a atitude que antecede qualquer decisão pela construção Reino. Como opção primordial ela configura a vida inteira: a mente e o coração, a prática e a oração. Como princípio totalizante ela deve ser mantida permanentemente, e não pode ser trivializada em nome da escatologia ou da plenitude da vida cristã. Diante do ódio e do fanatismo raivoso, como o que aconteceu no Sri Lanka, agora no último domingo, dia da Páscoa, a misericórdia se solidariza e toma o partido das vítimas, mas não fecha o futuro ao agente da violência e do terror. Em meio a dor absurda, a misericórdia procura sempre caminhos de perdão e reconciliação. Neste sentido, o grande teólogo Jon Sobrino tem palavras muito esclarecedoras. “Sem dúvida, a situação de dor causa indignação e cólera contra os opressores, como causou nos profetas e em Jesus. Porém, não é a cólera o primeiro motor da ação, mas sim a misericórd ia de Jesus, “misereor super turbas”(Mc 6,34). Esta misericórdia é a que deve informar inclusive a denúncia profética, a qual não é mitigada por aquela – como mostra Monsenhor Romero - , mas se converte num grande ato de amor, para com os pobres em primeiro lugar, pois se procura defendê-los, e para com os opressores em segundo lugar, enquanto chamada à conversão, boa notícia “sub specie contrarii”. A fonte da misericórdia é Deus que não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 18,23.32; 33,11; 2Pd 3,9). Jon Sobrino ainda com a palavra: “Deus não é só bom para com os homens, mas seu amor deve ser descrito como especial ternura para com o pequeno, para com o indefeso e perdido. Assim como Isaías o descreve, mais terno do que uma mãe para com o filho de suas entranhas, Jesus o descreve como o pai que sai ao encontro do filho que tinha deixado a casa e cujo gozo está no fato de que tenha regressado (Lc 15,11-32). Para ser fiel a Deus o ser humano deve adquirir uma afinidade com ele. Destarte, ser fiel a Deus, fonte de misericórdia é pôr em prática o convite: “Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso” (Lc 6,36). Por isso o cristão diante do mundo sofredor, não se deixa levar pelo ódio, mas se enche de misericórdia e jamais exclui o causador de violência ou de terror do seu amor e do seu perdão.


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