Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 19/12/2018 às 07:58:59

Natal

Natal é uma festa muito bonita, com sabor de mistério. Sua luminosidade atinge a tudo e todos.

Na verdade, Natal é a cristianização de duas festas: uma judaica e outra pagã.

Neste período em que hoje, nós, cristãos, celebramos o Natal, os judeus celebravam a festa da dedicação do Templo. Na reflexão teológica dos cristãos, Jesus foi considerado o verdadeiro templo que, embora destruído, se reergueu ao terceiro dia (Jo 2,19-22). Muito normal, portanto, substituir a festa da dedicação (nascimento) do antigo templo, pela festa do nascimento do novo templo, fruto, não de mãos humanas, mas da ação eficaz do Espírito Santo no seio virginal de Maria.

Os pagãos, por sua vez, nesta mesma época, celebravam o Sol Invencível. Era uma festa muito popular e empolgante, com forte poder de atração sobre os cristãos.

Segundo a fé cristã, Jesus é “o Sol nascente” (cf. Lc 1,78), “a Luz que brilha nas trevas”, “a Luz verdadeira que vindo ao mundo a todos ilumina” (Jo 1,5.9).  Em vez de combater a festa pagã, Papas e Bispos cristianizaram-na, instituindo a festa do nascimento de Jesus, o verdadeiro “Sol Invencível” que, com sua morte e ressurreição, venceu as trevas do mal e do pecado.

         Ao cristianizar a festa pagã do “Sol Invencível”, os cristãos pretendiam cristianizar também as motivações e os valores da sociedade da época. Especialmente os valores da família e da vida, totalmente esquecidos entre os romanos.

Segundo testemunhas de então, o divórcio se tornara uma epidemia. Sêneca afirma que as mulheres, inclusive as mais ilustres, contavam seus anos, pelo número de maridos.  A taxa de natalidade era muito baixa. A vida, especialmente das crianças, contava pouco. O pai tinha poder absoluto sobre a vida dos filhos. Ele podia jogar os recém-nascidos num depósito público, onde pereciam de fome e de frio. Foi só em 374, sob a influência do cristianismo e da celebração do Natal, que este costume foi abolido.

         Para os cristãos, Natal passou a ser festa da família e da vida. Deus, ao nascer como ser humano, adotou uma família e santificou a vida humana desde sua concepção. O Natal nos ensina que o ser humano, desde o primeiro momento de sua existência, precisa ser querido, esperado, amado e valorizado, especialmente se estiver acometido de alguma deficiência.

         Na Idade Média, São Francisco de Assis deu ao Natal um caráter mais familiar. Em 1223, pela primeira vez encenou em Greccio (Itália) o nascimento de Jesus. Nasceu assim o hábito de montar presépios nas igrejas e nas casas. Com seu gesto, São Francisco quis lembrar, aos cristãos de seu tempo e de todos os tempos, que Deus caminha conosco, se fez um de nós, é de fato o nosso Emmanuel, Deus conosco e que, entre ele e nós, não existem distâncias nem barreiras.

         Em nossos dias o Natal voltou a ser uma festa pagã. Cristo e seu projeto já não são mais a primeira motivação. Agora quem está no centro é o consumo com todas as propostas de curtição do corpo, exaltação da sensualidade, divinização do ventre e glorificação do que é vergonhoso (cf, Fp 3,19). As conseqüências deste neo-paganismo são as mesmas do paganismo antigo: a vida e a família voltaram a valer muito pouco. Por isso a Igreja não cessa de chamar a atenção de seus fiéis, principalmente neste período de Natal, sobre a grandeza e o papel insubstituível da família no que se refere à dignidade das pessoas e ao valor da vida.

Como Papas e bispos no século IV e São Francisco de Assis na Idade Média, precisamos recristianizar o Natal nos tempos de hoje. Nossa primeira tarefa será anunciar o grande amor de Deus para conosco. Não podemos nos cansar de repetir com o Apóstolo João: “caríssimos que grande presente de amor o Pai nos deu – seu Filho Unigênito, através de quem nós também somos filhos”.

Nossa segunda tarefa é suscitar esperança. Como lembra o Apóstolo Paulo, “se somos filhos, somos também herdeiros: herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rm 8,17). Na certeza de que a esperança não nos ilude (Rm5,5), nossa proposta é de nos ufanar, inclusive em nossas tribulações, sabendo que a tribulação gera a constância, a constância leva a uma virtude provada e a virtude provada, por sua vez, desabrocha em nova esperança (cf Rm 5,3-4).

Como terceira tarefa, neste intento de recristianizar o Natal, cabe a nós o papel de resgatar o valor da ternura. Deus feito homem, na figura de uma terna criança reclinada em pobre manjedoura é, sem dúvida, a expressão máxima de amor benevolente e terno. Que as celebrações em nossas casas e em nossas igrejas primem pela beleza, singeleza e ternura.

           Feliz e Santo Natal para todos e todas!


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