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Postado dia 14/02/2018 às 15:37:56

Imposição das cinzas - Por Dom Manoel João Francisco

Com a celebração da Quarta feira de Cinzas, os católicos do mundo inteiro iniciam o tempo da Quaresma. Neste dia realizam-se a bênção e a imposição das cinzas resultadas da queima dos ramos de oliveira, ou outro arbusto, abençoados no Domingo de Ramos do ano anterior. Esta cerimônia é um vestígio daquilo que, no início da Igreja, o bispo solenemente fazia com os penitentes públicos.

Naquela época, se um cristão cometesse uma falta grave e quisesse se reconciliar devia, no início da Quaresma, ser inserido no grupo dos penitentes. Era expulso da comunidade, não podendo, até que fosse reconciliado, participar da celebração eucarística, e assumia a obrigação de manifestar o seu arrependimento bem como o desejo de retornar à comunidade através de muitas orações, mortificações e prática de boas obras.

A expulsão do penitente era uma cerimônia impressionante. Constituía para os demais fiéis uma pregação eloqüente.

No Sacramentário Toledano da Biblioteca de Madrid, escrito provavelmente na primeira metade do século XIII encontra-se a seguinte descrição:

1)    Na Quarta feira de Cinzas, depois de previamente confessados, os penitentes, vestidos de burel, pés descalços, de cabeças baixas, se dirigem à catedral e se colocam na frente da porta principal;

2)    O bispo dentro da catedral abençoa as cinzas e dirige-se até a porta, acompanhado do clero e do “grupo de cantores”;

3)    O pároco da catedral faz a chamada nominal dos penitentes que com velas acesas entram na igreja;

4)    No interior da catedral, prostrados por terra, os penitentes são aspergidos com água benta por um outro padre, enquanto um terceiro impõe-lhes as cinzas na cabeça com a fórmula: “Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”. Durante esta cerimônia o grupo de cantos alterna salmos penitenciais, seguidos de quatro orações entoadas pelo bispo;

5)    Em seguida, o bispo, tendo à frente os ministros com a cruz, velas e água benta, toma a mão direita de um dos penitentes e o leva, seguido dos demais, até a porta da igreja. Ali impõe as mãos na cabeça de cada um e diz: “Hoje és expulso do limiar da santa mãe Igreja, por causa dos teus pecados e crimes, assim como Adão, primeiro homem, foi expulso do paraíso, por causa de sua transgressão”. Enquanto isso, o grupo de cantores entoa: “Com o suor do teu rosto”.

6)    Fora da igreja recebem o cilício com a fórmula: “Contrista o teu coração”. O bispo faz ainda uma exortação sobre o cumprimento da penitência, e entrega-os aos seus respectivos párocos para que cuidem e vigiem sobre a fidelidade no cumprimento do que prometeram.

As cinzas são o que sobra da combustão de um objeto. Simbolizam, por isso, a morte e a penitência, como muito bem expressa a fórmula de imposição: “Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”. A exemplo de Abraão, o cristão é chamado a tomar consciência do seu nada e de sua pequenez enquanto criatura, em relação ao Criador: “Sou bem atrevido em falar a meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18,27).

Faz bem recordar, ao menos uma vez por ano, que somos pó, e ao pó haveremos de voltar.

As cinzas são também símbolo de dor e arrependimento como muito bem expressa o livro de Jó: “Por isso, me acuso a mim mesmo e me arrependo, no pó e na cinza” (Jó 42,6). Os ninivitas também manifestaram seu arrependimento e sua conversão cobrindo-se de sacos e sentando-se sobre cinzas (Jn 3,5-6).

Mais tarde a Igreja abrandou sua disciplina penitencial. Os penitentes passaram a ser reconciliados de outro jeito. A imposição das cinzas, no entanto, não só permaneceu, mas foi estendida a todos os fiéis. Toda a comunidade se reconhece pecadora e se põe em atitude de penitência e conversão durante a Quaresma.

Os símbolos usados na liturgia quaresmal são muitos e variados, mas, com certeza, um dos mais pedagógicos é a “dramatização” da imposição das cinzas que recorda nossa debilidade, nosso pecado e a força do amor de Deus que nos resgata e nos incorpora à ressurreição de seu Filho.

Toda celebração litúrgica, em sua simplicidade e sobriedade, deve falar por si mesma, sem muitas explicações. Seria muito bom se a celebração da Quarta feira de Cinzas voltasse a ter a força de expressão do rito celebrado em Toledo no século XIII.

Dom Manoel João Francisco

 


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