Apesar da crise, em muitas cidades do Brasil o carnaval está bombando há quase um mês. Neste final de semana a folia vai chegar ao seu ápice. Como se costuma dizer: serão dias para esquecer os problemas e tudo pode acontecer. Pouca gente vai se importar com a Lava Jato, a reforma da previdência, a situação de violência e tantas outras mazelas que nos afligem.
Não se conhece ao certo a origem do carnaval, nem do seu nome. O certo é que é uma festa popular coletiva, transmitida através dos séculos como herança de antiqüíssimas festas pagãs.
No carnaval acontece uma subversão de papéis sociais e de valores. Pessoas que, durante todo o ano, passaram despercebidas, nestes dias tornam-se o foco de atenção de milhares de espectadores e telespectadores, ao desfilar nas avenidas e ruas de muitas cidades do país. A origem desta prática parece estar na antiga Babilônia. No início do ano novo, o rei dirigia-se ao templo de Marduk, principal deus do país. Despojava-se das insígnias reais e era açoitado diante da imagem do deus. Esta humilhação era para demonstrar sua submissão à divindade. Em seguida, o rei retomava as insígnias reais e assumia o trono.
A subversão de valores parece estar ligada às festas pagãs gregas e romanas marcadas pela embriaguez, pela extravagância na comida e pela entrega aos prazeres do sexo.
O cristianismo, embora desde o seu início, tenha penetrado e transformado profundamente a cultura pagã, não conseguiu abolir todos os costumes vigentes na sociedade. Por isso, mesmo tendo dado, por um tempo, uma nova orientação, a Igreja sempre manteve certa distância e, até mesmo oposição as manifestações carnavalescas.
Aqui no Brasil, as relações da Igreja católica com os promotores de desfiles de escolas e blocos carnavalescos nas avenidas, nem sempre tem sido fácil. Na maioria das vezes, os conflitos foram provocados pelo desrespeito, o deboche e quase profanação de imagens e símbolos sagrados da Igreja católica. O conflito que gerou mais polêmica foi em 1989, no desfile da escola de samba da Beija Flor de Nilópolis. Naquele ano o carnavalesco Joãozinho Trinta projetou desfilar com a imagem de Cristo. Foi proibido. Mesmo assim foi à avenida com a imagem coberta de sacos pretos e a inscrição:“Mesmo proibido, olhai por nós”. Ficou com o segundo lugar. No desfile das campeãs revelou a imagem para o delírio do público.
No ano passado, com o apoio e a assessoria da Arquidiocese do Rio de Janeiro e a promessa de um desfile respeitoso, sem nudez ou vulgaridade a escola de samba Estácio de Sá apresentou o enredo “Salve Jorge! O guerreiro da fé”. Em São Paulo, neste ano, a escola de samba “Unidos da Vila Maria”, também com o apoio e a assessoria das Arquidioceses de São Paulo e Aparecida, vai desfilar com o enredo “Aparecida, a Rainha do Brasil. Trezentos anos de amor e fé no coração do povo brasileiro”.
O que aconteceu? A Igreja mudou? Não! Nas vezes que houve conflito, o motivo foi o desrespeito, o deboche e a quase profanação dos símbolos sagrados. Desta vez, tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo, os promotores dos desfiles, como expressão de respeito e fé, acolheram as orientações da Igreja. Em São Paulo estão observando os critérios exigidos pelo Conselho responsável pela vida administrativa e pastoral do Santuário Nacional de Aparecida: 1) Respeito à imagem de Nossa Senhora Aparecida, à fé e à religiosidade do povo católico; 2)Fidelidade aos fatos históricos; 3)Apresentação da genuína piedade mariana católica, sem sincretismos; 4) Decoro no desfile da escola, sem exposição de nudez; 5) Supervisão dos preparativos pelo Santuário de Aparecida e pela Arquidiocese de São Paulo.
Dom Odilo Pedro Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, em um artigo, tentando desfazer a preocupação de alguns católicos faz a seguinte argumentação: “Para alguns a iniciativa pode parecer chocante, pois o carnaval e o sambódromo não seriam os locais mais adequados para homenagear Nossa Senhora. Até pode ser, pois tudo depende da intenção e da forma como as coisas são feitas. No caso em questão, a intenção é boa e a forma também. O lugar seria impróprio para honrar a puríssima Virgem Maria? Mas será que Maria não gostaria de chegar lá, onde mais se faz necessária a sua presença? (...) Jesus também entrou na casa de publicanos e pecadores, escandalizando fariseus e mestres da Lei. Os católicos não poderiam honrar o nome de Deus, professar sua fé e prestar homenagem a Nossa Senhora também no sambódromo?”.