Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 02/12/2016 às 09:11:28

O maior desafio é a conversão de todo nós

Ainda no contexto do encerramento do Ano da Misericórdia fui interrogado sobre os desafios a serem enfrentados, na nossa missão de evangelizadores, após a clausura da Porta Santa. Mais uma vez, quero partilhar com vocês a minha resposta.

O maior desafio é a conversão de todo nós. O Papa São João Paulo II é de opinião que estamos vivendo num mundo que se opõe ao Deus da misericórdia e tende a tirar do coração humano a própria ideia de misericórdia. Segundo o Papa, a palavra e o conceito de misericórdia parecem causar mal-estar às pessoas (DM 8).

O Papa tinha razão. O plebiscito, aprovando a saída da Inglaterra da Comunidade Europeia e a eleição de Trump como presidente dos Estados Unidos parecem ser a comprovação. Estes dois acontecimentos, com certeza, têm, como uma das principais causas, a rejeição dos imigrantes, sinal evidente de carência de solidariedade, compaixão e misericórdia. Diante deste quadro, onde o voto dos cristãos e, especificamente, dos católicos contribuiu de forma significativa, não existe outro caminho que não o da conversão.

O Papa Francisco insiste em uma Igreja “casa da misericórdia”, onde todos possam afluir e encontrar abrigo e alento. Uma Igreja em saída, centrada na busca pela ovelha que se perdeu. Marcada com os sinais dos tempos, disposta a lutar e fazer seus, os gritos e os clamores dos pobres e injustiçados. Uma Igreja que saia das sacristias, conheça as realidades do povo, as suas angústias nas periferias urbanas e existenciais. Uma Igreja enlameada porque está junto daqueles que estão na lama das exclusões sociais, das drogas, da falta de reforma agrária, das apropriações indevidas de terras indígenas, dos que morrem diariamente sem atendimento nas inúmeras e intermináveis filas do serviço público. Uma Igreja profética, capaz de denunciar as injustiças e corrupções e de anunciar a alegria do Evangelho. Tudo isso, repito, vai exigir da Igreja conversão de suas estruturas e de sua organização, conversão pastoral, como lembrava o Documento de Aparecida, o que, na minha modesta opinião, constitui um sério desafio.

Além do desafio de nossa conversão, podem-se elencar tantos outros. Chamo atenção para dois deles, muito graves.

O indiferentismo religioso. As religiões não cumprem seu papel de ligarem o homem a Deus. Serem canais da graça. A indiferença é um sentimento de apatia. Não se refere a mim, então deixa pra lá. Perde-se o sentido de comunidade, de pertença, de esperança e de fé. A falta de fé leva aos adivinhos e cartomantes, à busca de milagres e prodígios. O escritor inglês Gilbert Keith Chesterton parece que tinha razão quando escreveu: “Quem não crê em Deus não quer dizer que não acredita em nada, porque começa a acreditar em tudo”. Neste cenário é muito fácil fazer da religião um negócio de altos lucros.

Outro sério desafio de nosso tempo para a vida cristã e a renovação de nossas comunidades é o relativismo moral e espiritual. O que é valor para um, para outro não o é.

Christian Smith, professor de sociologia na Universidade de Nôtre Dame, nos EUA, publicou um livro intitulado: Perdidos na Transição. O Lado Escuro dos Adultos Emergentes.

         Trata-se de uma pesquisa com jovens de 18 a 23 anos. O resultado é a constatação da visão relativista dos jovens. Eles acham que ninguém pode ser moralmente julgado. Todos têm direito a opiniões pessoais. Segundo esta postura algumas coisas são “adequadas” outras são “inadequadas”. Não se pode dizer, porém, que algo seja objetiva e moralmente bom ou mau. A idéia de que a moral é uma construção da sociedade e da cultura pode chegar tão longe que, num debate, um jovem não exprimiu nenhum juízo negativo sobre a escravidão. Outro defendeu a retidão moral dos terroristas que causam a morte de multidões. “Os terroristas, na opinião dele, são assim, fazem o que acham que é melhor, por isso fazem o bem”.

                   O autor conclui sua pesquisa dizendo que os adultos emergentes têm muita pouca bagagem para encarar os desafios do presente e do futuro, e formam uma geração que fracassou na formação moral.

         Mesmo evitando generalizar pesquisas de opinião feitas com grupos pequenos, as evidências indicam a dimensão dos desafios das Igrejas e de todas as pessoas preocupadas com a moral.

Estas idéias geram a “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman, cuja conseqüência é a insegurança e o aparecimento dos “fundamentalismos”, seguidos de todos os tipos de intolerância inclusive, a intolerância religiosa. Pode haver desafio maior do que este, para quem pretende anunciar Jesus Cristo, como o caminho, a verdade e a vida?


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