Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 09/11/2016 às 14:31:29

O que queremos ser?

No último domingo, dia 06 de novembro a Igreja católica celebrou a Festa de Todos os Santos e Santas para lembrar que todos nós devemos ser “santos por vocação” (Rm 1,7; cf. 1Ts 4,3).

         As pessoas, com freqüência, reagem com espanto quando lhes perguntamos se são santas, mas não deviam, pois na concepção da Bíblia, a vida cristã só tem sentido se for vivida em santidade.

Com o correr do tempo, a santidade foi tomando conotações esteriotipadas e preconceituosas. Muitas vezes se confundiu santidade com fenômenos extraordinários: milagres, bilocações, longos períodos de jejum, marcas nas mãos, nos pés e no lado esquerdo do peito, lembrando as chagas de Jesus.

Sem negar que as pessoas marcadas por esses sinais podem ser santas, é preciso dizer que santidade é algo bem mais simples. Santidade, antes de tudo, é dom de Deus, que em sua magnanimidade concede esta graça a qualquer um de seus filhos ou filhas. Por isso, é possível ser santo e santa, também nas outras Igrejas cristãs e, até mesmo, nas religiões não-cristãs. O Papa Paulo VI, na homilia de canonização dos mártires ugandenses, incluiu também os mártires anglicanos.

Não se pode confundir santidade com perfeição moral. Quando achamos que ser santo é fazer tudo o que ninguém faz ou deixar de fazer o que todos fazem, caímos na armadilha da perfeição.  Os santos e as santas também erram e pecam. Mas justamente, porque são santos, eles e elas são capazes de perceber o quanto são frágeis e necessitados da graça de Deus. A perfeição em si mesma pode nos levar ao orgulho e auto-suficiência, o oposto da santidade. Nós todos vivemos a santidade em meio às fragilidades do cotidiano.  

São Paulo é o exemplo clássico deste processo de santificação. No início de sua vida de convertido, confessava com certo pesar: “Estou ciente que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne. Pois querer o bem está ao meu alcance, não, porém, realizá-lo. Não faço bem que quero, mas faço o mal que não quero. (...). Descubro em mim esta lei: quando quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. (...). Infeliz que eu sou! Quem me libertará deste corpo de morte?” (Rm 7,18-24). No entanto, “o dom da graça foi sem proporção com o pecado (...). Onde se multiplicou o pecado, a graça transbordou” (Rm 5,15.20). Desta forma, no final da vida, podia proclamar cheio de alegria e gratidão: “É pela graça de Deus que sou o que sou. E a graça que ele reservou para mim não foi estéril” (1Cor 15,10). “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). “Para mim viver é Cristo” (Fp 1,21).  “Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Desde agora, está reservada para mim a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (1Tm 4,7-8).

O santo, portanto, antes de mais nada, é uma prova viva do poder da graça.

 Muito forte na vida dos santos e santas é a preocupação deles e delas com a dor e o sofrimento alheio. Eles e elas contemplam o mundo a partir de Deus que viu o sofrimento do povo, ouviu o seu clamor e desceu para libertá-lo (cf. Ex 3,7-8). A experiência que eles e elas fazem de Deus os faz mergulhar nas dores e sofrimento de seus contemporâneos e os leva a abraçar os atingidos pela dor com grande compaixão e profundo desejo de solidariedade e comunhão.

Concluo esta breve reflexão com uma citação da teóloga Maria Clara Bingemer: “Os santos são como espelho da graça divina no mundo. Canonizando santos, a Igreja quer dar testemunho ao mundo que aqueles seus filhos proclamados santos viveram plenamente o ethos do amor e da intimidade com Deus e o serviço dos outros”.


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