Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 20/07/2016 às 15:18:39

A oração

A oração é um ato essencialmente humano. Nasce da capacidade que o ser humano tem de se encantar e se admirar. Diante da beleza das criaturas, homens e mulheres se extasiam e, do mais profundo do seu ser, brotam exclamações de louvor, atos de adoração, gestos de agradecimento, profissões de fé, arrebatamentos místicos, súplicas de perdão. Diante desta constatação, entende-se a observação do grande filósofo dinamarquês, Soren Kierkegaard em seu Diário: “Com razão, diziam os antigos que rezar é respirar. Aqui se vê o quanto é néscio querer falar de um porquê. Por que respiro? Por que de outra forma morreria. Assim é a oração”. Friedrich Von Hardenberg Novalis, poeta alemão, com outras palavras, caminha na mesma direção: “Rezar é na religião o que o pensamento é na filosofia. O senso religioso reza, o cérebro pensa”.

         A oração, portanto, não é apanágio dos cristãos. “Diante de Deus não há acepção de pessoas” (Rm 2,11). Em todas as religiões encontram-se orientações a respeito da importância da oração e pessoas com profundas experiências de oração.

Ghandi, seguidor do induísmo, protagonista no processo de independência da Índia do domínio britânico e grande líder pacifista, deixou escrito este testemunho: “A oração salvou-me a vida. Sem oração teria ficado muito tempo sem fé. Ela salvou-me do desespero. Com o tempo a minha fé aumentou e a necessidade de orar tornou-se mais irresistível... A minha paz muitas vezes causa inveja. Ela vem da oração”. Em outra oportunidade, falando de como deve ser a oração, assim se expressou: “A oração não é pedir. É um anseio da alma. É uma admissão diária das próprias fraquezas. Na oração é melhor ter um coração sem palavras do que palavras sem um coração”.

No judaísmo a importância da oração é também muito realçada. Juntamente com a Lei e a prática da caridade, a oração constitui um dos três pilares que sustentam o mundo do judaísmo.

Para nós católicos a oração ocupa lugar central em nossa espiritualidade. “Quem reza se salva, quem não reza se condena”  foi mote da pregação de Santo Afonso Maria de Ligório.  Como muito bem lembra o grande Bispo, Dom Pedro Casaldaliga, não basta “praticar” a fé, ela também precisa ser “rezada”. “A oração é uma das atitudes fundamentais da opção cristã. O cristão é um orante. Ter fé e não orar é uma forma de não ter fé. A fé sem obras é uma fé morta. A fé sem oração também, porque a oração é uma obra, uma práxis de relações, de comunicação, de gratidão, em relação a Deus.(...). A oração exige uma certa ascética, uma certa disciplina. A oração não é algo instintivo que “nos sobe de dentro” espontaneamente. A oração exige seu tempo e até seu lugar e seu instrumento. Se não nos impomos uma certa disciplina prejudicamos a oração. (...). A oração deve ser diária, particular e comunitária.Um agente de pastoral que não faça individualmente, ao menos meia hora de oração diária, além daquela que faz em equipe, não tem condição de ser agente de pastoral”.

Em suas homilias e pronunciamentos, nosso Papa Francisco, continuamente nos tem estimulado à prática da oração. São suas estas palavras: “Quem não reza é orgulhoso, é seguro de si, busca a própria promoção. Quando um cristão se torna discípulo de ideologias, perde a fé. Não é mais discípulo de Jesus, é discípulo deste ou daquele modo de pensar (...). O conhecimento dele se transformou num conhecimento ideológico e também moralista, porque fecha a porta com muitas prescrições. Quando isso acontece, a oração desaparece do coração deste cristão. E se não há oração, a porta está sempre fechada. A chave que abre a porta da fé é a oração”.

A liturgia do próximo domingo chama a nossa atenção para a importância e a necessidade que temos de oração. Segundo o comentário dos Padres Dehonianos de Lisboa, Portugal, “a primeira leitura sugere que a verdadeira oração é um diálogo ‘face a face’, no qual o ser humano, com humildade, reverência, respeito, mas também com ousadia e confiança, apresenta a Deus as suas inquietações, as suas dúvidas, os seus anseios e tenta perceber os projetos de Deus para o mundo e para as pessoas que vivem neste mundo”. No Evangelho Jesus ensina o Pai Nosso. O Pai Nosso é a oração de nossa identidade cristã. Sem a consciência de que somos filhos e de que Deus é nosso Pai, nossa oração não passa de uma oração pagã.


envie seu comentário »

Veja Também

Veja + Artigos de Dom Manoel João Francisco