Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 14/07/2016 às 15:58:49

Hospitalidade

A liturgia do próximo domingo nos convida a refletir sobre a hospitalidade que, no dizer de Leonardo Boff, é uma virtude necessária para que a construção de um outro mundo se faça possível.

Na primeira leitura, nós vamos escutar que Abraão, ao acolher três desconhecidos que passavam pelo caminho, acolheu o próprio Deus.

A hospitalidade era, entre os deveres, um dos mais sagrados em Israel. Os livros do Pentateuco em diversas passagens fazem referência a ela.

Não maltrates o estrangeiro nem o oprimas, pois vós fostes estrangeiros no Egito”(Ex 22,20).

         “Se um estrangeiro vier morar convosco na terra, não o maltrateis. O estrangeiro que mora convosco seja para vós como o nativo. Ama-o como a ti mesmo, pois vós também fostes estrangeiros na terra do Egito”. (Lv 19,33).

         “Não leses o direito do estrangeiro, nem do órfão, nem tomes como penhor as roupas da viúva. Lembra-te de que foste escravo no Egito, de onde o Senhor teu Deus te resgatou. É por isso que te ordeno que procedas assim. Se, ao fazer a colheita em teu campo, esqueceres um feixe de trigo, não voltes para buscá-lo. Deixa-o para o estrangeiro, para o órfão e a viúva, a fim de que o Senhor teu Deus te abençoe em todo o trabalho de tuas mãos. Quando tiveres colhido o fruto das oliveiras, não voltes para colher o que ficou nas árvores. Deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Quando colheres as uvas da tua vinha, não deves colher os cachos que ficaram. Deixa-os para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Lembra-te que tu também foste escravo no Egito. Por isso te ordeno que faças assim” (Dt 24,17-22).

         Na passagem que será lida no próximo domingo, o autor bíblico apresenta Abraão como modelo de hospitalidade.

De acordo com a Bíblia, o dever da hospitalidade se desenrolava segundo regras precisas. O hospedeiro ia ao encontro do hóspede para oferecer a própria casa. As palavras de saudação eram acompanhadas de gestos solenes. O hospedeiro se prostrava até o chão (Gn 19,1ss), se o hospede era conhecido, o abraçava e beijava. Algumas vezes o hospedeiro se declarava escravo e servo do hóspede, lavando-lhe os pés (Gn 18,2-4), e oferecendo o que de melhor tinha em casa. Normalmente mandava matar e preparar um animal que oferecia juntamente com pão fresco.

E para nós, pessoas de hoje, continua Abraão sendo modelo? Com certeza!

Vejamos o que os Padres Dehonianos de Lisboa, Portugal, sugerem como reflexão.

         “Cada vez mais, o sagrado sacramento da hospitalidade está em crise, pelo menos em nossa civilização ocidental. O egoísmo, o fechamento, o ‘salve-se quem puder’, o ‘cada um que cuide da própria vida’ parecem marcar cada vez mais a nossa realidade. No entanto, são cada vez mais as pessoas perdidas, não acolhidas, que têm por teto os buracos das nossas cidades. Da África, do Leste da Europa, da Ásia, da América Latina, chegam todos os dias à fronteira da ‘fortaleza Europa’ bandos de deserdados, que procuram conquistar, com sangue, suor e lágrimas, o direito a uma vida minimamente humana. O que fazer com eles? Como os acolhemos: com indiferença e agressividade, ou com a atitude humana e misericordiosa de Abraão? Temos consciência de que, em cada irmão deserdado, é Deus que vem ao nosso encontro?

         Nosso Papa Francisco, não tem cessado de nos alertar para o dever da hospitalidade. Na homilia que proferiu na catedral de Assunção, no dia 12 de julho, por ocasião de sua viagem ao Paraguai, foi muito claro e incisivo. Eis o que ele nos falou:

         “Hospitalidade é uma palavra-chave, uma palavra central na espiritualidade cristã, na experiência do discipulado.

Poderíamos dizer que é cristão aquele que aprendeu a hospedar, a alojar.

A Igreja é uma mãe de coração aberto que sabe acolher, receber, especialmente a quem precisa de maior cuidado, que está em maior dificuldade. A Igreja é a casa da hospitalidade, do acolher! Quantas feridas, quanto desespero se pode curar numa casa onde alguém se sente bem vindo! Para isso é necessário que a porta esteja aberta, também a porta do coração. É necessário passar da lógica do egoísmo, do fechamento, da luta, da divisão, da superioridade para a lógica da vida, da gratuidade, do amor. Passar da lógica do dominar, esmagar, manipular para a lógica do acolher, receber, cuidar. É preciso praticar a hospitalidade com o faminto, o sedento, o forasteiro, o nu, o enfermo, o encarcerado (cf. Mt 25,34-37), com o leproso, o paralítico.

Tenhamos o coração aberto a essas palavras do Papa. Elas fazem eco àquelas do Evangelho: “Fui forasteiro, e me recebestes em casa.... Então os justos lhe perguntarão: ... Quando foi que te vimos como forasteiro e te recebemos em casa?... Então o Rei lhes responderá: Em verdade vos digo, todas as vezes que fizestes isso a um desses mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!


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