Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 20/06/2016 às 09:30:13

A Fé

Nos Evangelhos, várias vezes, Jesus elogia a fé das pessoas e complementa dizendo: “Vai tua fé te salvou. A fé, portanto, é fundamental na vida do cristão. Dela depende a nossa salvação. Por isso é muito importante que nós a protegemos. Na verdade, o nosso adversário, o demônio anda em nosso derredor, como um leão que ruge, procurando a quem devorar (1Pd 5,8). Mesmo que nos últimos tempos alguns haverão de renegar a fé (1Tm 4,1), é preciso que a exemplo do Apóstolo Paulo, combatamos o bom combate e terminemos nossa corrida, tendo conservado a fé (2Tm 4,7). Para tanto, precisamos estar vigilantes e continuamente fazer a nossa autocrítica (2Cor 13,5). Esta é a condição para que o Senhor nos mantenha firmes na fé (lCor.16,13; 2Co 1,24). Neste sentido, o Apóstolo Paulo exorta os filipenses para que lutem “juntos e com uma só alma pela fé do Evangelho” (Fp 1,27).

         A fé não é vivida do mesmo modo pelas pessoas. Alguns fiéis, por exemplo, podem ter fé capaz de transportar montanhas (1Cor13,2), outros, mesmo tendo fé “em abundância” (2Cor 8,7), podem crescer mais ainda (2Cor 10,15), como foi o caso da Igreja de Tessalônica que fez grandes progressos na fé (2Ts 1,3). Por outro lado, é preciso reconhecer que alguns são fracos na fé. Com esses é preciso ter caridade e não discutir opiniões. Se alguém, fraco na fé, acha que só deve comer legumes que o faça sem condenar o que come de tudo; e o que come de tudo não despreze o que só come legume. Estas atitudes não afetam a fé. Não passam de opiniões (Rm 14,1-6). Mais tarde o grande bispo Santo Agostinho formulará uma norma: “no essencial unidade, no acidental liberdade, em tudo caridade”. No entanto, existem aspectos da fé que são essenciais. Não permitem liberdade de opinião. Por exemplo, a fé na ressurreição. Aqui estamos no núcleo da fé. Se alguém não crê na ressurreição de Cristo e na própria ressurreição possui uma fé “vazia”, sem fundamento, ou “ilusória” e sem valor (1Cor 15,14.17).

         A fé é comprovada pelo amor. Uma fé sem caridade é morta. Uma fé sem obras é incapaz de salvar. Crer que Deus existe, os demônios também crêem, mas vivem condenados no inferno. Como o corpo sem espírito é morto, do mesmo modo a fé sem obras é morta (Tg 2,14-26). Aqui vai um alerta para aqueles que vivem muito preocupados com a ortodoxia, mas não tem nenhuma caridade. São azedos e parecem sentir prazer em agredir, difamar e denunciar os irmãos por meio das redes sociais.

A fé, além de ser um ato pessoal, é também um ato eclesial. Na carta aos Gálatas, São Paulo fala de “família de fé” (Gl 6,10) e no mundo inteiro se tecem elogios a fé da Igreja de Roma (Rm 1,8). A mesma coisa acontecia com a fé da Igreja de Éfeso (Ef 1,15).

         O oposto da fé não é o ateísmo, mas o indiferentismo. O ateísmo é uma fé às avessas. Combate a existência de Deus. Ora, não se luta contra algo, ou alguém que não existe. O ateísmo provoca naqueles que crêem uma fé mais esclarecida e forte. Exemplo bem concreto é a Polônia. Enquanto naquele país, o governo professava um ateísmo militante, impedindo qualquer tipo de manifestação religiosa, o povo era um dos mais católicos do mundo. As vocações religiosas e sacerdotais eram abundantes. Em todo o mundo se encontravam missionários e missionárias poloneses. Depois que o governo ateu foi substituído, o catolicismo polonês se enfraqueceu. Nas famílias já não existe mais a prática sistemática dos atos de fé. As vocações religiosas e sacerdotais tiveram uma queda espantosa e nos vários locais de missão, a presença de padres e freiras poloneses deixou ser comum.

         O indiferentismo é a atitude de quem acha que Deus não merece atenção, não constitui um valor digno de ser procurado e apreciado. O indiferentismo não é hostil à fé, mas, acha que é uma questão superada e, por isso, não merece que se ocupe tempo com ela. Se Deus existe, é sem consistência, não vale apena gastar energia com ele. O indiferentismo é um vírus que se difunde silenciosamente, sem deixar trauma. Deus vai desaparecendo das pessoas sem que elas mesmas se apercebam. Enquanto o ateísmo permaneceu um fenômeno de elite, o indiferentismo se generalizou. No Brasil, no ano 2000, os que se declaravam sem religião, já eram 7,3%, com tendência a aumentar. Entre os católicos há os que, sem negar a doutrina, se dizem não praticantes; há os de prática ocasionais, (batismo dos filhos, casamentos, funerais); há ainda aqueles para os quais a fé e a religião é uma herança familiar, mas que não influi em sua vida pessoal.

         A fé antes de tudo é dom de Deus que precisa ser pedido. Não nos esquecemos nunca de, a exemplo do centurião do Evangelho rezar: “Creio Senhor, mas aumentai minha fé”.


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