Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 31/03/2016 às 08:39:26

Domingo da Divina Misericórdia

No próximo domingo, segundo da Páscoa, por determinação do Papa São João Paulo II, celebra-se o Domingo da Divina Misericórdia. Nossas Paróquias, por sugestão do Conselho Diocesano de Pastoral, estão convidadas a dar, neste ano do “Jubileu Extrordinário” da Misericórdia, um destaque todo especial a esta celebração.

         Como lembra o mesmo Papa São João Paulo II, a virtude da misericórdia parece causar mal-estar às pessoas de hoje, principalmente no campo da política (DM 8). Daí, a importância e, até mesmo, a necessidade de se celebrar com muita intensidade o próximo domingo, pois é desejo do Papa Francisco que este Ano especial seja vivido à luz da Palavra do Senhor: “Sede misericordiosos como o Pai”.

         Misericórdia é bom sublinhar, não é mera compaixão, mas como escreve Jon Sobrino, um teólogo de El Salvador, é “um grande amor, um amor real e incondicional, um amor primeiro e último que transcende tudo, que corre qualquer risco pessoal e institucional, para atender o ferido no caminho”, a semelhança do Bom Samaritano de que fala o Evangelho de Lucas (Lc 10,2937). Ainda segundo Sobrino, ter misericórdia é optar pela vida. “Uma opção não apenas preferencial, mas primordial, que configura a vida inteira, a mente e o coração”.

         A misericórdia assim entendida exige e provoca uma ação de justiça e de fraternidade, pois, como já foi dito, ela é “em certo sentido, a mais perfeita encarnação de igualdade entre os seres humanos e, por conseguinte, também encarnação mais perfeita da justiça... A misericórdia torna-se assim um elemento indispensável para dar forma às relações mútuas entre as pessoas, num espírito do mais profundo respeito por aquilo que é humano e pela fraternidade recíproca” (DM 92.93.94).

         A palavra hebraica para designar misericórdia, no sentido de compaixão e ternura é rahamîm. Tem sua raiz numa outra que indica útero materno, rehem. Misericórdia é, portanto, o amor de mãe que Deus tem para com seus filhos, os seres humanos. A mãe, sem desprezar nenhum dos filhos, dispensa maior atenção e cuidado aos mais frágeis. Isto explica a parcialidade de Deus em favor dos pobres e oprimidos.

         Deus, no seu amor de misericórdia, vê a miséria do povo, ouve o seu clamor e o liberta da escravidão do Egito (cf. Ex 3,7); perdoa Israel e faz de um “não povo”, o seu povo, da “não amada, a sua esposa, “amada” (hebraico ruhamah, amada com ternura compassiva), realizando um novo Êxodo (Os 2,25).

         Como Deus, também a Igreja, movida pela misericórdia, constata “o clamor surdo, mais sempre mais claro, crescente, impetuoso e, em alguns casos, ameaçador” que brota de muitas bocas, mas especialmente, entre nós, das bocas “dos povos indígenas e afro-americanos que, em muitas ocasiões não são tratados com dignidade e igualdade de condições; das mulheres excluídas em razão de seu sexo, raça ou situação sócio-econômica; dos jovens que recebem uma educação de baixa qualidade e não têm oportunidades de progredir em seus estudos, nem de entrar no mercado de trabalho para se desenvolver e constituir uma família; dos muitos pobres desempregados, migrantes, deslocados, agricultores sem terra; daqueles que procuram sobreviver na economia informal; dos meninos e meninas submetidos à prostituição infantil, ligada muitas vezes ao turismo sexual” (Dap 65); dos doentes, sem atendimento, amontoados em postos de emergência e corredores de hospitais e de tantos outros, vítimas de “permanente violação da dignidade da pessoa humana”.

         A misericórdia sempre tende a ser eficaz. Por isso, busca todas as mediações práxicas que possibilitem a concretização desta eficácia. Neste ponto a misericórdia se transforma em justiça e se empenha na construção de um mundo onde a verdade vença a mentira; a vida a morte e a fraternidade a opressão.

         A misericórdia é a reação mais adequada e necessária ante o mundo sofredor. Sem misericórdia, não haverá compreensão de Deus, nem de Jesus, nem do ser humano. Por misericórdia e somente por misericórdia Deus se aproxima de seu povo que pena envergonhado e acabrunhado sob o peso dos pecados pessoais e estruturais.

         Movido por misericórdia, o pai do filho pródigo restituiu ao filho a dignidade de filho e de irmão (Lc 15,11-32).

         Partindo da atitude de Jesus - “misereor, tenho compaixão deste povo” (Mc 8,2) – o cristão não pode camuflar, nem ideologizar a dor dos pobres, mas é sua missão denunciar e desmascarar os mecanismos de corrupção e exploração. No entanto, porque movido por “entranhas de misericórdia” o cristão não pode fechar o futuro ao corruptor e ao explorador. O cristão, em meio ao conflito, procura sempre caminhos de perdão, pois como afirmou de forma inspirada, o Papa São João Paulo II, “um mundo no qual se eliminasse o perdão seria apenas um mundo de justiça fria e irrespeitosa, em nome do qual cada um reivindicaria os próprios direitos em relação aos demais” (DM 95).


envie seu comentário »

Veja Também

Veja + Artigos de Dom Manoel João Francisco