Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 09/03/2016 às 19:26:24

Superação

A Quaresma de 2016 está chegando ao fim. No próximo domingo, o Evangelho nos narra a cena da mulher adultera, convidando-nos à superação de qualquer tipo de hipocrisia e de intolerância.

         Num ambiente de patriarcalismo acentuado, a lei de Moisés considerava a mulher uma propriedade do homem, colocando-a na categoria de simples objeto. Era enumerada no elenco das coisas que pertence ao próximo.

         “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença” (Ex 20,17).

         Desta lei, percebe-se a evidente situação de inferioridade a que as mulheres estavam submetidas. O adultério não era a ruptura de relações entre duas pessoas com direitos iguais, mas a negação do direito de propriedade do marido. Por isso, apenas a mulher era condena, se por acaso, fosse apanhada em adultério.

         Em sua pregação e em seus gestos, Cristo nega o direito exclusivo do homem sobre a mulher. Continuando a pregação de Cristo a Igreja também pregou a igualdade entre as pessoas de ambos os sexos. As primeiras comunidades cristãs distinguiam-se dos demais grupos religiosos pelo seu caráter inclusivo. Os seguidores de Jesus não eram os virtuosos, nem os piedosos observadores da Lei, mas os cobradores de impostos, os pecadores e as mulheres. Nas comunidades cristãs, apesar do contexto patriarcal, desde o início encontram-se mulheres que desenvolviam funções importantes e ocupavam posições de privilégio. É o caso daquelas que exerciam o ministério de “apóstolas” (Rm 16,7) e de profetisas (1Cor 11,5; At 21,9; Apc 2,20), os dois mais importantes ministérios da Igreja primitiva (Ef 2,20).

Febe era diaconisa da Igreja de Cencréia. Na carta aos Romanos, depois de lembrar que Febe era uma ministra da Igreja, o apóstolo Paulo pede para que ela seja recebida de modo digno e assistida em tudo o que precisar. No capítulo 16, versos 12, da mesma carta aos Romanos é dito que Trifena, Trifosa e Pérside “se afadigaram no Senhor”, expressão com que Paulo se refere ao seu trabalho apostólico e o dos que têm autoridade na comunidade (1Cor 16,16; 1Ts 5,12).

Em At 18,25 vemos Priscila instruindo um homem chamado Apolo, nas verdades da fé. Nesta passagem, Priscila exerce um verdadeiro ministério da Palavra. São João Crisóstomo, numa sua homilia sobre a carta aos Romanos escreve: “Apolo era um homem eloqüente e versado nas Escrituras, mas conhecia apenas o batismo de João. Priscila acolheu-o e o instruiu no caminho de Deus, e fez dele um perfeito pregador”.

Ainda em At 9,36 Tabita é designada com o título de discípula. Sabe-se que Mateus em seu Evangelho refere-se aos Doze com o título de “discípulos”.

“Transcendendo e opondo-se ao padrão cultural e religioso compartilhado por helenistas e judeus, os cristãos primitivos afirmam que todas as diferenças de status social, político e religioso estavam abolidas no corpo de Cristo, a Igreja. A auto-compreensão da comunidade cristã eliminou todas as distinções de religião, raça, classe e casta, permitindo, por esse meio, que não só os gentios e escravos assumissem a plena liderança na comunidade cristã, mas também as mulheres”.

No entanto, com o tempo, o patriarcado foi se impondo na Igreja e na Igreja na sociedade. Sem esquecer que no decorrer da história da Igreja emergiram mulheres excepcionais e criativas, que influenciaram decisivamente na vida e na espiritualidade da Igreja, é preciso constatar que no decorrer desta mesma história, as mulheres em geral passaram a ser subalternas e desconsideradas em sua dignidade.

Nos últimos tempos a Igreja tenta resgatar o valor e a dignidade da mulher. O Papa Francisco tem sido incisivo a este respeito. Quanto ao papel da mulher na Igreja, o Papa tem afirmado que “é desejável uma presença feminina mais ramificada e incisiva nas comunidades, de modo que possamos ver muitas mulheres envolvidas nas responsabilidades pastorais, no acompanhamento de pessoas, famílias e grupos, assim como na reflexão teológica”. Numa outra oportunidade, o Papa declarou que é necessário estudar critérios e modalidades novas para que as mulheres não se sintam hóspedes, mas plenamente partícipes dos vários âmbitos da vida social e eclesial.

No que se refere a preconceitos e discriminação, a exemplo de Jesus que não condenou a mulher adúltera, o Papa tem acolhido e animado as mães solteiras que, com certa freqüência, vêem as portas da Igreja se fecharem para elas.

         A Roselyn de Los Angeles, o Papa dirigiu estas palavras: “Digo a você uma coisa: você é uma mulher incrível, porque você trouxe suas filhas ao mundo, você poderia tê-las matado no seu útero, mas você respeitou a vida. Ande de cabeça erguida”. Quando alguém chamou a atenção de uma mulher, por ser ela mãe solteira, o Papa, tomou suas dores e respondeu: “Mãe não é estado civil, por isso, não existe mãe solteira”.


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